Reforma Política. Qual reforma?
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Por Adolfo Santos - Fundador do PSOL e da Direção Nacional da CST

O mundo de fantasia das promessas eleitorais acabou. A crise econômica volta ao centro da cena e o novo-velho governo começa aplicar duros ajustes contra o povo pobre e trabalhador que, segundo o banco de dados do IPEA, vê crescer o número de miseráveis no país*. Nesse contexto, preocupados pela reação frente a medidas econômicas impopulares, os propagandistas do governo começam a agitar velhos problemas como algumas reformas que, em décadas de governos tucanos e petistas, jamais tiveram a vontade de resolver.

Não que não seja importante fazer as reformas, fundamentalmente as que mexem com os interesses econômicos como a Reforma Agrária, Urbana ou Tributária. Aliás, qual a explicação para que passados 12 anos de governo petista ainda não tenham sido feitas as reformas agrária e urbana? Tem outra explicação que não seja porque o PT governa para o agronegócio, os latifundiários e especuladores imobiliários? Para quem tanto fala em igualdade e avanços sociais, o mesmo caberia se perguntar em relação à Reforma Tributária. Mas alguém imagina o governo Lula/Dilma afetando os interesses dos banqueiros e das empreiteiras? Não é casual que, jogando para a plateia, dona Dilma tenha escolhido a reforma política como a menina de seus olhos: custa pouco e pode iludir a muitos.

Mas além de não afetar diretamente os grandes interesses econômicos a serviço dos quais governa, a reforma política cai como uma luva em meio da propaganda petista da “onda conservadora”, “do giro à direita”, “dos golpistas”, “das forças antidemocráticas e de viés fascistizantes”, que muitas correntes de esquerda adotaram e até se converteram em seus propagandistas. Frente a esse cenário, a saída proposta pelo governo é a reforma política. Ao invés de romper com esses setores políticos, de investiga-los como corruptos e delinquentes, denunciá-los e de cassar seus mandatos e processá-los , o PT os alimentou, protegeu e ressuscitou porque lhe servem de leais aliados para aplicar as políticas que o sistema e o regime exigem.

Uma reforma política não é necessária porque estamos frente a uma ameaça fascista, apesar de que haja personagens políticos e até minúsculos grupos que defendem políticas deste tipo, o que acontece em todas as sociedades modernas polarizadas pela crise social. Uma verdadeira reforma política é fundamental porque somos regidos por uma democracia dos ricos, do poder econômico, dos poderosos dos diferentes setores, seja o agronegócio, as empreiteiras, o sistema financeiro ou a grande mídia. Eles são os grandes eleitores nesta democracia formal, eles são os que impõem seus candidatos, eles são os que definem os governos e o congresso. Porque vivemos numa falsa democracia onde o povo é chamado a cada dois anos para votar influenciado pela TV, a compra de votos, a propaganda enganosa, e assim estamos frente a sucessivos estelionatos eleitorais, onde os políticos se elegem prometendo mundos e fundos, mas logo que assumem governam para seus financiadores de campanha: os donos do poder econômico.


A Reforma Política e a posição do PSOL

Em recente reunião, a Executiva Nacional do PSOL votou uma resolução sobre a Reforma Política que não arma a militância para esse combate. Depois de algumas generalidades, sem denunciar a responsabilidade central do governo nacional pela “profunda insatisfação com o atual modo de se fazer política no Brasil”, no ponto 4 expressa: “O PSOL tem sua própria plataforma sobre o tema, que envolve, entre outros pontos, o financiamento exclusivamente público de campanhas, o fim das coligações proporcionais, o aumento de instrumentos de participação, como plebiscitos e referendos, e o combate a qualquer medida regressiva, como a cláusula de exclusão aos partidos menores.” É essa nossa plataforma para a Reforma Política? Quem formulou essa proposta que esquece de se pronunciar sobre a existência do senado, uma instituição podre, questionada por inúmeras figuras do “campo progressista” entre os quais conhecidos políticos e juristas? Tampouco se pronuncia sobre a revogabilidade dos mandatos para acabar com as falsas promessas eleitorais, sobre o fim das mordomias e dos privilégios a começar pelos exorbitantes salários que recebem os políticos. Em definitiva uma resolução formal que não define com clareza as propostas do partido para ajudar a construir uma reforma política para valer, confrontando ideias, debatendo projetos e nessa batalha, consolidando em setores de massa as propostas que demonstrem que nosso partido pretende uma mudança de verdade.

Uma profunda reforma política não é uma necessidade momentânea, é algo permanente para poder dar conta das demandas de um povo revoltado com o acionar dos políticos. Por isso fica evidente que a reforma política que necessitam os trabalhadores, os camponeses e a juventude que luta e saiu às ruas em 2013 não combina com a que propõe o governo do PT/PMDB, os partidos políticos da ordem, a grande mídia e esse congresso que aí está. Nesse sentido é errado correr afobados às convocatórias de atos governistas sem antes debater no partido e nos âmbitos dos movimentos: sindicatos, centros de estudantes, organizações que lutam pela reforma agrária e a moradia, qual é a reforma política que defendemos e pela qual devemos nos mobilizar.

Se antecipando à linha proposta pela resolução da Executiva, Luciana Genro voou a São Paulo para colocar o prestigio que conquistou nosso partido nas últimas eleições, já que sua figura representa o PSOL, a serviço de um ato com setores pró-governo como a Consulta Popular, a UNE e parlamentares do PT sem um debate prévio ao interior do partido que nos permita construir um perfil e uma plataforma própria com a qual nos apresentar e debater frente a outros setores políticos e dos movimentos.

Na sua fala, adaptando-se aos presentes, Luciana expressou: “Precisamos pressionar o governo”... “Não podemos aceitar que a presidenta Dilma, no dia da sua vitória eleitoral, diga que quer um plebiscito e, no dia seguinte, ceda às pressões do PMDB, às pressões da direita”. Mais que pressionar, precisamos denunciar o governo Dilma por compactuar com o sistema político corrupto onde o poder econômico e a grande mídia são quem definem as políticas. Não se trata de um governo em disputa!

Surpreende Luciana ao cobrar coerência da presidente e se lamentar que ceda às pressões da direita, como se isso não fosse a prática permanente deste governo, como se este governo não representasse a nova direita! Dilma e seu governo não são reféns da direita, são parte de um regime que eles mesmos construíram ao longo dos anos de governo do PT, por isso, a Reforma Política que necessitamos somente será possível com muita luta e mobilização, derrotando as propostas do governo e não aliados a ele.


É necessário preparar a mobilização sim, mas essa mobilização deve estar conduzida por bandeiras claras sobre a reforma política que queremos. A CNBB e mais 13 entidades, entre as quais a CUT e a UNE, apresentaram um projeto de reforma política que tanto Dilma como Aécio se comprometeram a apoiar durante o debate eleitoral na TV Aparecida. Independente de algum ponto positivo, esse não é nosso projeto! Não é porque não ataca os problemas de fundo para acabar com a corrupção, o estelionato e os privilégios.

É importante abrir o debate nas instâncias partidárias com ampla participação da base e levar esses debates aos locais de trabalho, estudo e moradia para enriquecê-los com novas propostas e argumentos envolvendo a maior quantidade de pessoas. Não adianta pedir plebiscito sem este amplo debate prévio onde o partido apresente suas propostas. O plebiscito não é uma panaceia se não houver igualdade de oportunidades na mídia escrita, radial e televisiva para divulgar as diversas propostas. A reforma política não pode ser resolvida pelo SIM ou pelo NÃO. É um tema complexo, que necessita de muitas mudanças e o ideal seria fazê-la mediante uma constituinte. Neste caso, um plebiscito pode ser um tiro no pé se formulado para supostas mudanças que deixem tudo como está.

Algumas propostas para a Reforma Política

Uma verdadeira reforma política deve começar pelo fim do Senado e a constituição de um parlamento unicameral. É inconcebível num país com tantas falências a existência de um senado que consume bilhões de reais, além de se eleger para mandatos de oito anos e ter a figura do “suplente”. Reduto das oligarquias regionais é utilizado como negociação e chantagem para obter cargos e benesses frente ao Executivo. O senado é um antro de privilégios e corrupção, profundamente antidemocrático na medida em que 81 senadores equivalem a mais de 500 deputados federais. Serve para acolher e proteger corruptos que gozam das maiores mordomias. Prova de sua completa decomposição é seu atual presidente, Renan Calheiros, que renunciou ao cargo para evitar ser cassado por mau uso do dinheiro público e, reeleito, voltou para ser novamente presidente da casa com o beneplácito de seus pares.

A revogabilidade dos mandatos eletivos é outro tema fundamental para acabar com as falsas promessas de campanha. Propomos um mecanismo que permita o eleitor revogar o mandato daqueles que não cumpram com suas promessas eleitorais. Junto com isto somos a favor do financiamento exclusivo público, enxuto e igualitário de campanha, para evitar as aberrações de candidatos que gastam mais em campanhas eleitorais** do que receberão em quatro anos de mandato demonstrando de antemão o estelionato que irão praticar. É importante acabar com as mordomias e despautérios praticados pelos políticos. O salario de qualquer cargo eletivo deve estar atrelado ao piso nacional dos professores ou ao salário mínimo.

Precisamos que todos os políticos com cargo tenham seu sigilo bancário e fiscal aberto antes de assumir e ao deixar o cargo. Precisamos que os corruptos e corruptores sejam penalizados com rigor e não que depois de um ano voltem ao regime aberto ou semiaberto! Absoluta transparência de todos os gastos públicos e que estejam disponíveis para consulta de qualquer cidadão. Somos contra as “cláusulas de barreira” que visam barrar partidos ideológicos enquanto mantém grandes partidos de aluguel formado ao redor de interesses pessoais. Contra o caciquismo do voto “distrital” que tenta construir regiões que contemplem os currais eleitorais dos coronéis para se perpetuar nos cargos, defendemos a eleição por proporcionalidade. Estas são algumas das propostas que queremos incorporar neste debate.

Temos uma grande tarefa pela frente, impedir que o governo e os partidos da ordem utilizem o debate por reformas como simples manobras para distrair o movimento de massas e confundir amplos setores de esquerda, enquanto se unem para aplicar medidas econômicas contra a população. Vamos debater e nos mobilizar ao redor de uma reforma política pra valer, que acabe com a impunidade, os privilégios e as falsas promessas de políticos corruptos, mas em primeiro lugar, e junto com isso, necessitamos organizar a luta para evitar novos e maiores ajustes que precarizam as condições de vida dos trabalhadores, reduzem direitos e aumentam os níveis de miséria da população empobrecida.




Notas:

* IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) constatou que de 2012 para 2013 o número de miseráveis acrescentou-se em 870.676 pessoas.



**Marco Antônio Cabral (PMDB/RJ): filho do ex-governador Sergio Cabral, debutante em disputas eleitorais, foi o deputado que mais gastou no RJ: R$ 6.700.000,00. Considerando que o mandato dura 48 meses, esse gasto representa em média R$ 139.583,00 mensais! Porém, a pesar de ser muito bem remunerado, o deputado Cabral, receberá R$ 26.723,00 mensais. Gastou mais de cinco vezes do que supostamente irá receber. A dinheirama veio de empresas como a Emccamp Residencial, construtora do condomínio Frei Caneca de Minha Casa Minha Vida, das empreiteiras Carvalho Hosken e Andrade Gutierres, da empresa de alimentos JBS, do Hospital das Clínicas de Niterói, de Richard Klein, dono da Multiterminais que atua no Porto do Rio e é sócio de Daniel Dantas, maior operadora de contêineres no Brasil. (TRE e O Globo) Qualquer relação com ilegalidades e favorecimentos entre governo e empresários venais é pura coincidência.
Data de Publicação: 14/11/2014 13:04:53

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